quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Carta de um artista triste


Quem me vê sorrir, alegre, postando divulgação de meus projetos, deve pensar que está tudo bem. Os que sabem o que se passa devem achar que eu estou louco. O fato é que me encontro... e aqui abro um parêntese para falar sobre o ME quando na verdade deveria falar NÓS porque projetos artísticos nunca são de uma só pessoa, há uma equipe, um grupo que se movimenta para as coisas darem certo e inclusive o público que pega o bonde na última estação. Então, a partir de agora quando eu disser EU-ME-MEU, entendam NÓS-NOS-NOSSO.

Retomando a escrita.

O fato é que morro de vergonha de falar sobre isso. Dá uma sensação de fracasso, ao mesmo tempo em que dá uma puta certeza de que somos foda no que fazemos. Porque há 10 anos produzimos um projeto maravilhoso, um encontro entre diversos artistas, de diversas áreas: dança, música, teatro, artes visuais, audiovisual, luz, produção, fotografia... reunindo gente do Brasil, França, Itália, Polônia... Só por alto, contando aqui nos dedos, já passaram mais de 25 artistas pelo Euphorico que é um intercâmbio entre o Grupo X e a Cie Artmacadam, aliás, mais do que isso, é encontro, viver junto, saber lidar, dançar, estar... não cabe nas caixinhas de definições como as bailarinas que rodopiam depois das cordas em caixinhas de música. Dá para ver isso em fotos, videos, dá para sentir quando se chega perto.

O fato é que há 10 anos estamos construindo uma bela história na Dança, na vida. Há 10 anos produzimos, anualmente, um projeto internacional alternando apresentações e workshops e performances em rua e conversas, no Brasil e na França.

Porém, aqui no Brasil NUNCA recebemos nenhum recurso financeiro para a produção, para pagar aos artistas e técnicos que trabalham conosco. Recebemos algumas vezes apoio na hospedagem e poucas vezes para a alimentação e recebemos também passagens para ir para lá. Mas, como malucos, NUNCA desistimos e continuamos recebendo os amigos porque nos interessa o encontro, o abraço, o afeto... é sobre isso que falamos também no Euphorico. AFETO! E como me afeta saber que ESTE ANO NÃO RECEBEMOS NENHUM APOIO para sequer colocar nossos amigos num quarto confortável para dormir. Inscrevemos no Calendário das Artes, nada, FUNARTE, nada, Prefeitura, nada, nada, nada, nadaaaaaa... Somos nós nos bancando mais uma vez.

Eu acho que esse povo deve pensar que se nós conseguimos realizar, todo ano, sem dinheiro, é porque não precisamos. Só pode ser! Ou então devem pensar "o que isso importa?". Importa na medida em que não há nenhuma iniciativa desse porte que dure tanto sem ter tido NUNCA, NENHUM apoio financeiro. Sei que existem projetos de muitos anos, mas estes recebem dinheiro para serem realizados.

Enfim... o saco encheu e esta carta é para compartilhar meu coração apertado de vergonha por não ter condições de receber nossos amigos como eles merecem, como qualquer artista que vem trabalhar merece ser recebido. É para dizer que precisarei da presença de vocês e do apoio na divulgação porque não tivemos apoio nem para isso. É para dizer que desejamos nos encontrar para falar de amor, toque, generosidade, amizade, abraço. É para dizer que apesar de tudo estamos aqui e vai ter festa! Talvez seja também para pensarmos melhores meios de colocar o bloco na rua... falando nisso, só consigo pensar no coletivo que SOMOS NÓS.


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